HORÁRIO: De 3a a domingo das 15h às 20h
Contacto: Francisco.noa@gmail.com; Tlm: 91 69 060 35/ Filipe Romão: f.s.romao@gmail.com; Tlm: 91 91 74 667/ Jaime Raposo: Tlm: 004915772509391 (Berlim).
Agradecimentos: António Bolota, Joana Vieira, Chico.
ACTO ISOLADO
DECLARAÇÃO DE ACTO ISOLADO
O título não nos define como um grupo nem está a definir um suposto denominador comum ao trabalho de todos. No máximo serve como espelho da forma como a exposição patente foi organizada em termos de curadoria ou mesmo no acto em si.
Não existem motivos para nos apresentarmos como algo que não somos, ou algo que não estamos a tratar. Não é nesta altura necessário fazê-lo, nem temos vontade de tal. Decidimos expor sem um “tema”, desviamo-nos do compromisso redutor de uma falsa justificação, justificação essa que é sempre procurada numa exposição plástica que envolva mais do que um artista, levando a acrobacias linguísticas onde nada mais subsiste senão um delírio metafísico e intelectual.
Estou consciente do paradoxo que pode surgir no discurso em cima, dado que inevitavelmente nos tornamos um grupo (mesmo que seja apenas pelo facto de nos denominarmos especificamente como uma “colectiva” ou por sermos todos aproximadamente da mesma geração) mas entenda-se que o espaço Av. 211 permite esta concepção de exposição, que possibilita, significativamente, a individualização de cada membro. Não houve um conceito, a pretensão ou o cuidado consciente de nos ligarmos entre nós, antes pretende-se sublinhar que estamos perante uma geração recente de artistas plásticos e a confirmação das capacidades e autonomia dos mesmos, que se propõem a obter a visibilidade necessária para o seu trabalho artístico sem intermediários, contribuindo para o reconhecimento de Lisboa como um campo de experimentações artísticas independentes.
Francisco Noá
O termo, mais popular na terminologia judicial e financeira, aponta de forma imediata para uma qualquer acção de certa forma desvinculada do meio em que se exerce, na medida em que meio e acção não estabelecem necessariamente uma relação de causa-efeito. Numa comunidade pacata e pacífica, um qualquer crime completamente alheio aos seus padrões de conduta e valores visíveis, fica desde logo conotado como acto isolado, sugerindo desde logo que o meio não se exerce como factor provocador da acção. Essa sugestão serve por vezes para justificar uma acção como sendo injustificável, apoiando-se apenas na aparente não correlação entre meio e acção. Nesse sentido é uma medida escapista que apenas pretende de forma habilidosa encerrar um discurso. Uma justificação que justifica algo como injustificável não é uma justificação. Apoia-se ainda em estatísticas sendo que, na sua lógica, ocorrências que exprimem um valor percentual baixo não chegam a ser acontecimentos ou, quanto muito, acontecimentos de destaque. Contudo uma qualquer análise à margem de estatísticas que incida não só nos estratos mais superficiais de uma sociedade, certamente estabelecerá de forma sustentada relações entre meio e ocorrências consideradas pontuais.
Em que medida então serve o título à colectiva? Primeiro porque nos moldes em que foi projectada poderia ainda ser classificada em relação ao meio da arte contemporânea em Portugal como um «acto isolado», mas, ao contrário da prática corrente, justificado. Através de uma proposta de intervenção artística no Espaço Avenida, apresentada pelos próprios artistas aqui presentes, possibilita-se uma visibilidade não mediada por outras figuras ligadas à arte. Não se trata de uma negação do papel dos curadores, mas sim da possibilidade e legitimidade do artista como curador. Como especificidade do mercado nacional, existem inúmeras galerias de pequena ou nula dimensão e espaços de promoção cultural, projectos ingénuos onde a falta de estratégia e programa as mantêm marginais e completamente deslocadas do meio onde pretendem inserir-se. Um modelo em tudo semelhante ao de muitos presidentes de câmaras municipais, vereadores da cultura e presidentes de juntas de freguesia que, paralelamente a uma perfeita incompetência a nível político e administrativo com efeitos ruinosos a nível de desenvolvimento, mas habilmente escondida com «obra feita», que serve para entusiasmar a plebe (mas infelizmente apenas para isso) arregaçam também as mangas em nome da cultura. Então o artista em início de carreira depara-se com tantas possibilidades como o turista que contorna a rotunda de duas saídas de acesso vila, uma que acede à vila e outra que conduz a um beco sem saída (permitam-me o desvio, não seria oportuno, para além de promover o uso de cadeiras de bebé nos automóveis, promover a remoção de todas as esculturas públicas colocadas em rotundas, também em prol da segurança rodoviária?). Excluída então a possibilidade de participar em exposições irrealistas e inconsequentes que apenas servem vaidades provincianas, existe o outro circuito constituído por galerias de arte sintonizadas e estabelecidas.
Mas, respeitando a lógica de que galerias estabelecidas também o são por terem a seu cargo artistas estabelecidos, cá está. «Actos Isolados» na consciência de que, se somados a outros actos isolados, atingem o seu objectivo – deixarem de ser isolados. Há aqui, no movimento que transforma a carência numa oportunidade de redefinição, a ambição de contributo a um movimento geral que visa um alargamento de mercado e, dessa forma, de experimentação artística.
Actos isolados tanto em estratégia curatorial como também na tipologia e natureza das obras expostas. Aquando da análise das obras, foi feita a tentativa de perceber que corpo constituem, e de que forma esse corpo opera. Para tal, foi previamente necessário perceber o que constitui as partes desse corpo, aquilo que permitiu a sua autonomia de linguagem. A decisão de reunir obras que podem estabelecer entre elas uma pouco perceptível comunicação (ou não comunicarem de todo ou, melhor, comunicarem mas com linguagens diferentes - isso ficará a cargo do espectador de julgar), foi feita com base numa determinação isenta de denominadores comuns enquanto critérios – isso levaria a uma falsa exposição temática. Por mais optimistas que fossem, esses denominadores comuns não iriam conseguir esconder a sua fragilidade. Porque as obras dos artistas presentes, apresentam características que sugerem uma singularidade de substância, independentemente da sua genealogia artística. E isso é o que mais importa sublinhar. O porquê de, apesar de «terem andado na mesma escola», nenhum deles é da «escola de...». Isso obriga ao processo de selecção apoiar-se, ao invés de uma averiguação de afinidades, numa análise crítica qualitativa cujo método é o mesmo método de sistematização da obra.
Evitemos aquele discurso demasiado fotocopiado sobre a importância do romantismo como génese da singularidade do artista, a consolidação do sujeito (e também do artista e da sua arte) no seu processo de «individualização», com todos os contextos históricos a dar uma mãozinha. Por ser um assunto já amplamente discutido nas mais diversas áreas de conhecimento, que tanto abordam (após a revolução industrial como factor de génese) a cumplicidade das novas tecnologias, dos novos meios de comunicação, do urbanismo e da economia nessa condição, antes propõe-se aqui (tendo embora em conta este contexto global) lançar questões que proponham uma reflexão sobre quais os contextos específicos que isolam (e se isolam) esse individual perante todos os individuais globais.
Certamente que o panorama global é determinante nas práticas artísticas nacionais, mas convém também lembrar que o desfasamento em relação a outros países que a evolução da arte em Portugal sofreu, nomeadamente devido ao «orgulhosamente sós» salazarista, cuja ideologia de auto-exclusão e de temor (dir-se-ia religioso) em relação à «modernidade» e que acabou por nos isolar não só face ao resto do mundo, como também nos privou de uma sociedade de valores comunitários sólidos e de partilha de pensamento. Poder-se-ia contra-argumentar que muitos outros países, nomeadamente aqueles que são agora os mais desenvolvidos e industrializados da Europa, também tiveram os seus regimes autoritários, sofrendo exactamente os mesmos retrocessos históricos. Mas esses regimes caíram antes do nosso. Na sua brevidade, possibilitou-se comportamentos a partir da liberdade de pensamento, numa altura em que por cá continuávamos inscritos num não-acto isolado. Em 1974 falávamos então de democracia, mas ao mesmo tempo falava-se já de «sociedades de controlo» em países democráticos. Quer isso dizer que deixamos um modelo autoritário para acolher um modelo democrático já a revelar que noções como liberalismo e socialismo têm significações «dinâmicas».
Evidencia-se assim que a singularidade do individual se exerceu como singular, porque moldado por dois factores diametralmente opostos: pela anulação salazarista do espaço social de discussão e debate cultural, e pelo acelerado processo de modernização que se verificou logo após o 25 de Abril que, importando de imediato tudo aquilo que era novo, nomeadamente os novos meios de comunicação (que, surgindo no estrangeiro como uma forma de substituir o espaço real de comunicação e discussão por um espaço virtual – e virtual em todo o sentido da palavra - deduz-se que em Portugal surgiram para substituir um nada por um outro nada ainda maior) importou também a inércia do sujeito informatizado e isolado.
Não que a prática artística em Portugal seja ainda desfasada daquelas dos países mais desenvolvidos e industrializados, porque nesse aspecto é claro e visível que já desde há algum tempo se encontra com elas equiparada. Será talvez nas suas estruturas de acolhimento, na maturidade do mercado – ainda demasiado dependente de políticas governamentais, e sobretudo numa estrutura social que se reflecte no espaço social da arte, que se pode sugerir valores residuais dessa herança. Estes factores fazem também compreender a escassez de espaços públicos para as artes visuais, muitos deles sob a alçada do estado, como sempre se verificou. Mas a juntar as iniciativas privadas de promoção cultural que vêem surgindo desde os anos setenta, têm vindo a surgir recentemente outras iniciativas independentes que parecem responder à vontade em reclamar um espaço público efectivo para a arte.
A iniciativa proposta torna-se possível no espaço em que se apresenta, devido a uma liberdade de conteúdos programáticos que permitiu um projecto curatorial exercido por alguns artistas aqui presentes. Assim sendo, e através da consciência de um panorama marcadamente fragmentado das práticas artísticas que o título sugere, que surge a vontade de mostrar trabalho feito por artistas quase todos em início de carreira (muitos deles recém-licenciados pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa), que aqui se juntam para a possibilidade de um confronto de individualizações. De que forma é que essas obras reagem num meio que lhes é estranho (público), é a reflexão geral que se pretende lançar.
Jaime Raposo